“Cristo é a nossa paz. Do que era dividido, fez uma unidade. ” (Ef 2,14ª)
A Campanha da
Fraternidade é um dos modos de viver o período quaresmal na Igreja no Brasil. Desde
a sua origem em 1964, ela tem como grande objetivo despertar a
solidariedade dos seus fiéis e da sociedade em relação a um problema concreto
que envolve a sociedade brasileira, buscando caminhos de solução, à luz da
Palavra de Deus. É uma importante ação evangelizadora no horizonte da Doutrina
Social da Igreja.
Tendo seu momento forte
no período quaresmal, somos convidados a contemplar o mistério da Cruz de Cristo a
fim de realizar uma conversão profunda de nossa vida. Eis a proposta:
”Deixar-se transformar pela ação do Espírito Santo, como São Paulo no caminho
de Damasco; orientar com decisão a nossa
existência segundo a vontade de Deus; libertar-nos
do nosso egoísmo, superando o instinto de domínio sobre os outros e abrindo-nos
à caridade de Cristo. O período quaresmal é momento favorável para
reconhecer a nossa debilidade, acolher, com uma sincera revisão de vida, a graça
renovadora do Sacramento da Penitência e caminhar com decisão para Cristo. ”
(Bento XVI – mensagem para o período quaresmal de 2011)
Um coração que se
converte está disposto a amar e servir como Cristo nos ensinou. Sobretudo os
mais pobres e que se encontram nas periferias existências e geográficas. Um
amor ousado e criativo que rompe com o egoísmo e a indiferença. Viver
fraternalmente é um precioso exercício para naturalizar a caridade em nossas
ações.
A caridade cristã,
resposta de uma vida impelida pelo amor de Cristo, nos leva a amar o bem comum
e a buscar eficazmente o bem de toda pessoa, considerando-a também em sua
dimensão social. Assim, assumir e viver
a Campanha da Fraternidade é abraçar mais uma oportunidade para vivermos o amor
como serviço ao próximo e a fé como missão. É se envolver com cada pessoa que
encontramos no caminho. É agir como o Bom Samaritano: ver, compadecer, cuidar
.... e dialogar!
Em 2021 viveremos a 57ª
edição da Campanha da Fraternidade. O grande tema que nos é proposto é o
diálogo. Dialogar como compromisso de amor. Inseridos num cenário marcado por
polarizações, ódios, ausência de escuta, individualismos imperialistas e
indiferença, somos convidados a recuperar nossa capacidade de relação,
tolerância, amorosidade e fraternidade. Edificar um novo humanismo alicerçado
na ética cristã. Não podemos permanecer indiferentes a esta realidade que
banaliza a vida, gera conflitos, violências, discriminações e radicalizações.
O que vem acontecendo
conosco que já não conseguimos dialogar como antes? O que foi feito da
cordialidade, acolhida e gentileza? Qual a diferença entre uma simples
conversa, uma discussão e o diálogo propriamente dito? Como anunciar a Boa Nova
de Jesus Cristo em tempos tão turbulentos como o atual? Provocações que nos
fazem pensar e nos estimulam a encontrar caminhos de superação desta realidade,
à luz da fé.
A Campanha da
Fraternidade surge como ocasião preciosa para redescobrir a força e a beleza do
diálogo como caminho de relações mais amorosas, promovendo a convivência
fraterna e a alegria do encontro como experiências humanas irrenunciáveis, em
meio a crenças, ideologias e concepções, em um mundo cada vez mais plural. É
preciso reaprender a dialogar!
Segundo afirma o Papa
Francisco, “aproximar-se, expressar-se, ouvir-se, olhar-se, conhecer-se,
esforçar-se por entender-se, procurar pontos de contato: tudo isso se resume no
verbo dialogar. Para nos encontrarmos e ajudarmos mutuamente, precisamos dialogar.
” (FT 198). Não conseguiremos avançar neste horizonte se não assumirmos o
diálogo como compromisso de amor.
Dialogar supõe a redescoberta
do valor e da beleza do outro. Requer escuta, paciência, decisão e disposição.
É um processo com ritmo próprio que visa a compreensão do outro. Por essa
razão, no diálogo, não há vencedores e vencidos. Não há uma palavra que
prevalece, mas palavras que desencadeiam processos de conhecimento. Isso não
significa acolher como dogma a verdade do outro, mas sim, respeitá-lo e com ele
compartilhar o que compreendemos da vida, do mundo e de toda teia de relações
que nos envolvem.
O diálogo deve proporcionar uma mútua
compreensão que visa a boa convivência, a superação dos conflitos tornando-se
caminho para a construção da paz e da civilização do amor. Dialogar é conviver.
Supõe convívio. É processo onde, aos poucos, compartilhamos o sentido e os significados
que atribuímos a situações, acontecimentos. É conhecer a visão de mundo do
outro e também saborear a sua presença como pessoa única no mundo. Compreender
o outro e perceber os pontos em comum que nos unem. Ele não simplesmente cria
conexão; ele a releva demonstrando que existem mais coisas que nos unem do que
aquilo que nos separa. Por esta razão, sem escuta, paciência, tempo, coração
dedicado não existe diálogo.
Viveremos a Campanha da Fraternidade de 2021 em comunhão com diversas comunidades de fé. Esta será a 5ª Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE). As Igrejas membros do CONIC assumem esse compromisso de levar adiante o objetivo geral da CFE: convidar as comunidades de fé e pessoas de boa vontade a pensarem, avaliarem e identificarem caminhos para superar as polarizações e violências através do diálogo amoroso, testemunhando a unidade na diversidade. Sem dúvidas, o diálogo e a convivência fraterna é o nosso melhor testemunho.
São Igrejas
pertencentes ao CONIC: Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil;
Igreja Presbiteriana Unida do Brasil; Igreja Católica Apostólica Romana; Igreja
Episcopal Anglicana do Brasil; Igreja Sírian Ortodoxa de Antioquia e a Aliança
de Batista do Brasil. Em 2021 dois membros fraternos se associam ao CONIC para
a realização da CFE: Igreja Betesda e o Centro de Serviços à Evangelização e
Educação Popular (CESEEP).
O testemunho de diálogo
e de convivência fraterna das Igrejas cristãos são um precioso testemunho para
um mundo que já não dialoga mais. Segundo São João Paulo II o movimento
ecumênico do século XX teve o grande mérito de reafirmar claramente a
necessidade deste testemunho. Após séculos de separação, de incompreensões, de
indiferença e oposições, voltou a surgir nos cristãos a consciência de que a
fé em Cristo os une e oferece aquela força capaz de superar o que os divide.
Com o Concílio Vaticano
II a Igreja empenhou-se de maneira irreversível em percorrer o caminho da busca
ecumênica. Neste horizonte, “Não se devem e não se podem diminuir as diferenças ainda existentes
entre nós. O verdadeiro empenho ecuménico não procura compromissos e não faz
concessões no que se refere à Verdade. Sabe-se que as separações entre os
cristãos são contrárias à vontade de Cristo; sabe-se que elas são um escândalo, que enfraquece
a voz do Evangelho. O seu esforço não é ignorá-las, mas superá-las.” (João
Paulo II – 25.01.2001 – homilia no encerramento da semana de oração pela
unidade dos cristãos.)
Sem sombra de dúvidas,
trazendo à tona um tema tão pertinente, a Campanha da Fraternidade Ecumênica deseja
despertar para a importância de acionarmos disposições pessoais, favorecer
espaços e meios que ajudem as pessoas e comunidades de fé a redescobrirem o
valor do diálogo e assumir os passos, os caminhos, os processos que lhe
possibilitam a existência. Diálogo é uma postura, um modo de ser. O Diálogo é um
estilo de vida. O ecumenismo, uma forma de testemunhar a beleza da unidade em
meio às diferenças.
O lema da Campanha é
muito sugestivo: “Cristo é a nossa paz; do que era dividido, fez-se uma
unidade. ” (Ef 2,14ª). A divisão a qual Paulo faz referência diz respeito um
muro existente em Jerusalém que impossibilitavam os gentios a terem acesso ao
Templo. Havia um pátio reservado para eles e também um muro, de 1,40 metro, que
os separava da parte principal do espalho sagrado. Neste muro havia uma
inscrição advertindo que, aqueles que adentrarem o espaço não permitido, seriam
responsáveis pela própria morte. Era o mundo da divisão que impedia tanto o
acesso ao espaço sagrado, como às pessoas que ali estavam.
Um fato interessante se
dá com Paulo e Trófimo, um gentio, que em At 21 adentra ao recinto que não lhe
era permitido. Isso gera uma série de conflitos e também convicções. Para
Paulo, em Jesus Cristo, já não há nada mais que seja capaz de nos separar do
seu amor. Se nada nos separa deste amor, nada também poderá no separar uns dos
outros. Cristo cria a unidade rompendo o muro da divisão, estabelecendo
unidades, promovendo a comunhão e possibilitando a paz. Paz que se torna
realidade a partir do horizonte do encontro com o outro.
A Campanha da
Fraternidade Ecumênica nos convida a destruição dos muros que nos separam. Não
somente eliminar os muros, mas também abrir mão dos entulhos que podem ser
instrumentos de violência quando trocamos acusações e ofensas. Quando não
ouvimos e cuidamos de cada pessoa como irmãos e irmãs. Não é suficiente
destruir os muros. É preciso ser construtor de pontes, elo de comunhão,
promotores da cultura do encontro e da fraternidade.
Inspiradora é a narrativa dos discípulos a
caminho de Emaús, descrita pelo evangelista São Lucas. O diálogo não se
restringe à duas pessoas. Aqueles dois, mesmo tento participado de todos os
acontecimentos da paixão e morte de Jesus Cristos, sozinhos, não são capazes de
avançar na compreensão dos fatos. É preciso redescobrir o olhar da fé. O
ressuscitado poderia ter se revelado de imediato, assim que chega para
participar daquela conversa do caminho. Mesmo sendo evidente as dúvidas e
questionamentos, aquele que vence a morte também vence a pressa pondo-se a
caminhar com eles.
Talvez tenhamos aqui
alguns passos para reaprendermos a dialogar: viver a iniciativa de ir ao
encontro sem medo de quem está com dúvida, aproximar-se, entrar na conversa,
caminha juntos, ajudar na compreensão da vida e das escrituras, fazer o coração
arder, acolher o convite para adentrar a casa do outro (chão sagrado sob o qual
devemos retirar as sandálias Ex 3,5), sentar-se à mesa, e, nos gestos de
partilha, encontrar aquele que dá sentido à vida.
Assim, percorrido tal
itinerário ainda precisamos de algo a mais: voltar à comunidade, ao encontro
daqueles que, encerrados no medo de anunciar, estão à espera daquele diálogo
que aquece o coração, promove a unidade e envia em missão.
Somos imagem e
semelhança de um Deus que dialoga, que é em si mesmo perfeita relação de amor
trinitário. Como diria Futon Shen: “Se
no amor tu me procurares a mim somente, não encontrarás nada: mas se através de
mim procurares a Deus, encontrarás tudo, uma vez que, repito, é necessário
sermos três para amarmos: tu, eu e Deus. ”
Fraternidade e diálogo,
compromisso de amor. Que possamos abrir os corações a essa temática inaugurando
processos dialogais com a partir de nossas escolhas e empenho evangelizador.
Que a quaresma de 2021 nos ajude no caminho de conversão que nos coloque no caminho
da partilha, da solidariedade, assumindo o diálogo como estilo de vida de quem
ama, tal como Cristo nos ama.
Pe. Patriky Samuel
Batista
Especialista em
Teologia Pastoral e Missiologia.
Secretário executivo de
Campanhas da CNBB.